No prólogo, ele relata a história da mulher com a cabaça. Estava sentada no chão de um comboio, entalada entre pessoas a chorar, pessoas a gritar, pessoas a rezar. Estava calada, a acariciar no seu colo a cabaça tapada, num ritmo suave, até que atravessaram o Níger e ela levantou a tampa e disse a Olanna e aos outros para espreitarem lá para dentro. Olanna conta-lhe esta história e ele anota os pormenores. Ela explica-lhe que as nódoas de sangue no pano da mulher se fundiam com o tecido formando um padrão de cor de malva ferrugento. Descreve os desenhos talhados na cabaça da mulher, linhas diagonais entrecruzadas, e descreve a cabeça da criança lá dentro: tranças despenteadas caindo sobre o rosto castanho-escuro, olhos completamente brancos, fantasmagoricamente arregalados, a boca entreaberta num pequeno O de surpresa.”
Ler o Meio Sol Amarelo da brilhante Chimamanda Ngozi Adichie é perceber que não sabemos nada, que os nossos problemas não são nada, quando atrocidades como as que foram cometidas contra o povo Ibo na Nigéria aconteceram enquanto o mundo assistia mudo e quedo. Eu não conhecia a história do Biafra, o horror da Guerra do Biafra e por muito que seja mais fácil fecharmos os olhos e ignorarmos o sofrimento há coisas que temos de saber para que não se repitam. Para que façamos algo.
A autora, de descendência Ibo, nascida em Abba e estudante em Nsukka, usa toda a sua história familiar para descrever de forma absolutamente brilhante uma situação que foi ignorada por todas as nações desenvolvidas, inclusive pelo grande colonizador britânico. E isto tem especial relevância porque aos britânicos não interessava o progresso vislumbrado no desenvolvimento do povo Ibo. Todas as classes sociais são abordadas e incluídas no livro que narra de forma fiel esta guerra desleal. Até os líderes do Biafra falharam. Falharam de forma vergonhosa ao povo que depositou toda a sua fé e esperança no meio sol amarelo. Leiam. A sério.
“I knew that if I allowed fear to overtake me, my journey was doomed. Fear, to a great extent, is born of a story we tell ourselves, and so I chose to tell myself a different story from the one women are told. I decided I was safe. I was strong. I was brave. Nothing could vanquish me.”
Comecei a ler o Wild numa altura muito particular da minha vida. Os primeiros capítulos li-os a custo, enquanto sentia que era continuamente socada no estômago. A sério, se estão numa altura complicada, talvez este livro não seja a melhor escolha. Considerem-se devidamente avisados. ;)
Wild é a história real de como a autora decidiu fazer toda a Pacific Crest Trail, sozinha. E isto meus amigos, não é coisa pouca, a PCT começa no Deserto de Mojave e atravessa toda a Califórnia e o Oregon até ao estado de Washington. E esta corajosa fê-la toda, sozinha.
Porquê? Cheryl não fazia caminhadas por desporto, nem sequer era desportista, não tinha qualquer prática ou experiência no assunto. Esta empreitada foi essencialmente uma purga pessoal, feita por alguém que perdeu a mãe para o cancro, se divorciou e ficou viciada em droga, tudo no mesmo ano. A Cheryl não sabia para onde ir, só sabia que tinha de ir. E foi.
Este é um livro de auto-descoberta, sobrevivência e superação que vos vai deixar angustiados, aterrorizados e depois de todo o percurso, cheios de vontade de dominar o vosso destino e a vossa vida. É um livro incrível à semelhança do feito incrível que o inspirou.
“Is it possible, in the final analysis, for one human being to achieve
perfect understanding of another? We can invest enormous time and energy
in serious efforts to know another person, but in the end, how close can we come to that person’s essence? We convince ourselves that we know the other person well,
but do we really know anything important about anyone?”
Há muito que queria ler aquela que é considerada a obra prima do Murakami - Crónica do Pássaro de Corda - um livro que começa de forma banal, com Toru Okada, personagem principal, a decidir deixar a firma de advogados onde é estagiário para passar a ser desempregado a tempo inteiro. Toru e a mulher, Kumiko, editora de uma revista de dietética e alimentação saudável, vivem tranquilos um casamento de quatro anos. Mas a normalidade acaba aqui. Desaparece-lhes o gato, símbolo da sua relação e a partir daí as personagens mais singulares dão entrada na história.
Em busca do gato, Toru conhece May Kasahara, uma adolescente de 16 anos totalmente diferente de qualquer estereótipo que possamos ter de um adolescente. Excepto pela insegurança. May coloca as questões mais incríveis e tem também um trabalho muito invulgar, classificar pessoas pelo seu grau de calvíce. Também a propósito do gato, Toru conhece Malta Kano, uma medium que descobre o seu poder na água e Creta Kano, a irmã, uma prostituta da mente. Estão a conseguir acompanhar? Entretanto, Kumiko desaparece para sempre e Toru embarca na viagem da sua vida. Uma viagem ao interior, à solidão, ao mais profundo da mente.
Como sempre Murakami é sublime na construção de personagens (como estas que vos apresentei há ainda muitas outras), na interligação das histórias e na forma como todos parecem querer levar-se ao limite para descobrir sabe-se lá o quê. Este livro é tão intenso, perturbador e maravilhoso que tive de respirar fundo e olhar para o tecto durante longos minutos quando terminei, tal era a torrente de emoções que estava a sentir. Não pensem que pertenço a uma história do autor, senti-me mesmo assim. Deixem que o pássaro vos dê corda. Este é um livro no qual vale a pena perderem-se.
“Basta ser feliz pelo tempo que um fósforo leva a acender e a apagar. Dita fica em silêncio e pondera quantos fósforos se acenderam e apagaram na sua vida. Foram muitos, ela não é capaz de contá-los. Foram muitos pequenos momentos em que a chama brilhou, inclusive na mais absoluta escuridão. Alguns desses momentos deram-se quando, em meio ao maior dos desastres, ela abriu um livro e mergulhou nele.
A sua pequena biblioteca é uma caixa de fósforos.”
A Bibliotecária de Auschwitzé um romance baseado na história verídica de uma jovem checa - Dita Dorachova - e da sua estadia no terrível campo de concentração de Auschwitz. Aos 14 anos Dita era bibliotecária, uma profissão ilegal em Auschwitz, onde a posse de um livro era punida com a morte. Porque os livros nos fazem pensar, questionar, crescer e os nazis não queriam que os judeus e outros exilados pensassem. Queriam que morressem. Todos, sem excepção. E mesmo no meio da morte, da miséria, da degradação total, os judeus arranjaram forças para resistir. Dita manteve-se inquebrável. A sua tarefa de bibliotecária no campo familiar de fachada criado pelos nazis era um ato de rebeldia mas sobretudo um testemunho da resiliência e da força imensa destas pessoas testadas até aos limites que nunca julgaram ter. Abrir um livro, ensinar aquelas crianças foi como acender um fósforo de felicidade. E durante esse curto período, a luz vencia a escuridão.
Este foi um dos livros mais brutais e impactantes que li sobre este período vergonhoso da história da humanidade. Já estive em Auschwitz. Já vi e li muitos filmes e documentários, mas à excepção da visita real, nada me fez compreender tão bem o horror vivido por estas pessoas. E também a capacidade incrível que temos de ser bons, humanos, fortes. Recomendo vivamente a todos. Acho inclusive que devia ser leitura obrigatória nas escolas.